terça-feira, 23 de julho de 2013

Aos que esperam.


           Lá está ela. Mais uma vez perto da janela, a única por onde ainda passa alguma luz. Ocupa-se com o mesmo de ontem. Ainda não libertou as linhas e as agulhas. Com elas repara cada rasgo que ele deixou. Verdade é que ainda não perdeu a fé no dia que está para chegar, o dia que trará de novo para si o Sr. Amor.

Dona Esperança, vazia de nada, cheia de tudo, lança, a cada ponto, um olhar distante que alcança o fim da rua, que fixa um lugar vazio, que se perde nas pedras da calçada. Começam a faltar-lhe as recordações, ainda assim, a cada instante, visita a pele morena, o cabelo escuro, cor de corvo, o rosto de feições harmoniosas pelo qual se perdeu. Sente a segurança dos braços fortes que tantas vezes lhe guiaram os passos, ouve a voz que outrora lhe sussurrou ao ouvido. Esperança guarda a firme certeza que, se um dia Deus lhe roubar os olhos, ainda assim conseguirá desenhar cada traço do corpo, cada linha da alma daquele que já conheceu como seu. E afoga as lembranças num copo meio cheio pela irmã mais nova, a menina Saudade.

            Bate-lhe à porta o Dr. Bom Senso. Esperança, nervosa, prefere não a abrir. Sobe as escadas numa corrida, contendo as lágrimas que teimam em lhe molhar o rosto. Cai nos braços da sua mãe, a Sra. Paciência.

            Recusa a visita da vizinha Dor, chora no banco do jardim da Dona Verdade.

            Passa os dias assim...

...mas o Amor não voltou, nem mesmo para buscar o livro da filha Memória, livro com capa de pano que Esperança, com tanto amor, para o Amor remendou.
Andreia Moreira